Anne Frank não pode ser esquecida!
"Vou colocar de um modo mais claro, já que ninguém acreditará que uma garota de treze anos seja completamente sozinha no mundo. E não sou. Tenho pais amorosos e uma irmã de dezesseis anos, e há umas trinta pessoas que posso chamar de amigas. (...) Tenho uma família, tias amorosas e uma casa boa. Não; na superfície parece que tenho tudo, a não ser um único amigo de verdade. (...) Foi por isso que comecei o diário." (Anne Frank)
Uma menina de treze anos. Uma menina comum, ou nem tão comum assim, mas dotada de uma inteligência e uma sensibilidade especiais. De qualquer forma, seus sentimentos eram os de uma adolescente; e que menina (ou mesmo mulher) não se identifica com os instantes de solidão de uma adolescente? Apenas não são todos que conseguem expressar com palavras, ou com a mesma intensidade.
Seu diário começa no contexto de uma vida quase comum. Ou nem tanto, já que para os judeus, nos anos de 1940, era assim:
"os judeus deveriam usar uma estrela amarela; os judeus eram
proibidos de andar nos bondes; os judeus eram proibidos de andar de carro,
mesmo que fossem carros deles; os judeus deveriam fazer suas compras entre três
e cinco horas da tarde; os judeus só deveriam frequentar barbearias e salões de
beleza de proprietários judeus; os judeus eram proibidos de sair às ruas entre
oito da noite e seis da manhã; os judeus eram proibidos de comparecer a
teatros, cinemas ou qualquer outra forma de diversão; os judeus eram proibidos
de frequentar piscinas, quadras de tênis, campos de hóquei ou qualquer outro
campo de atletismo; os judeus eram proibidos de ficar em seus jardins ou nos de
amigos depois das oito da noite; os judeus eram proibidos de visitar casas de
cristãos; os judeus deveriam frequentar escolas judias etc. Você não podia
fazer isso nem aquilo, mas a vida continuava. Jacque [amiga de Anne] sempre me
dizia: 'Eu não ouso fazer mais nada, porque tenho medo de que não seja
permitido.'" (Anne Frank)
E a vida de Anne fica ainda mais incomum quando passa a
morar com mais seis, depois sete, pessoas no chamado “Anexo”, no Prinsengracht 263,
em Amsterdam. No total, são oito no esconderijo, ajudados por benfeitores
futuramente penalizados por isso.
Com a vida no Anexo, é natural que os pensamentos - e
os escritos de Anne, cheios de qualidades literárias, fiquem mais densos:
"Vejo nós oito, no
Anexo, como se fôssemos um retalho de céu azul rodeado por nuvens negras e
ameaçadoras. O trecho perfeitamente redondo onde estamos ainda é seguro, mas as
nuvens se aproximam, e o círculo entre nós e o perigo que se aproxima está cada
vez se apertando mais." (Anne Frank)
Não, o diário de Anne não é só feito de dor. Também de
sabedoria.
"Acho estranho os adultos discutirem tão facilmente e com
tanta frequência sobre coisas são mesquinhas." (Anne Frank)
São muitos seus conflitos com a mãe, mas ainda maior é a
certeza de que todos na família se amavam. Se o Anexo foi uma realidade
terrível, foi a forma de o amoroso pai de Anne manter sua família protegida
pelo maior tempo possível. Quantas famílias, hoje, não geram filhos
inconsequentes e os deixam à mercê do destino, sem acesso a cultura ou
afeto.
A proteção possível, à Anne não faltou. A cultura que ela
teve, especialmente através dos livros, em seus breves 15 anos, certamente
ultrapassa a da maioria dos jovens – e adultos – de hoje, quem sabe pela falta
de oportunidade e incentivo.
A doce e intensa menina não deixou de ser doce e intensa nos tempos de Anexo. A doce e intensa menina terminou transportada de Auschwitz a Bergen-Belsen e jaz, ao que tudo indica, em uma vala comum. Nem se sabe ao certo a data de sua morte, provavelmente ocorrida em fevereiro ou março de 1945, pouco antes do fim da segunda grande guerra.
A sensível menina, por um acaso do destino, nasceu na Alemanha e judia, mas é justo que hoje sua "casa" (ou seu museu, ou seu Anexo) esteja na Holanda, terra que a adotou e a protegeu enquanto pôde. Os pensamentos de Anne percorrem o mundo todo, e deixam a lição do quanto é necessário ser tolerante e ter a humildade de saber que ninguém é melhor do que ninguém. Os alemães são cruéis? NÃO! Foi só uma triste coincidência Anne ter nascido naqueles tempos de passividade diante dos caprichos de um ditador. Qualquer ser humano tem o potencial de ser cruel. Por isso, a história de Anne NÃO PODE ser esquecida.
Toda vez que releio “O diário de Anne Frank” – a cada vez com uma nova maturidade – não deixo de me emocionar com as mesmas coisas. A história de Anne é a história dos campos de concentração, dos milhares que morreram precocemente por exaustão ou nas câmaras de gases, de Olga Benário e muitos outros. Mas a história de Anne é a história de Anne, individual e única, inteligente, espirituosa, ÚNICA. A minha querida Anne... uma jovem mulher, doce e intensa.
Entre outras coisas, Anne desejou ser compreendida apenas
como uma adolescente. Eu a compreendo. De certa forma, é bom não esquecer o que
é ser uma adolescente, de cujos sentimentos não se deve zombar. Por isso, não
deixa de ser um privilégio estar com jovens,
escrevendo ou lecionando para eles.
Foi Anne quem disse (mas é como se eu pudesse dizer que as
palavras são minhas):
"As pessoas podem mandar você calar a boca, mas não podem
lhe impedir de ter uma opinião. Não se pode proibir ninguém de ter opinião, não
importa que seja uma pessoa muito jovem!" (Anne Frank)
Por isso, especialmente se você é jovem (e ainda mais especialmente
se você é meu aluno, rs), digo com toda a minha convicção: LEIA O
MÁXIMO QUE PUDER. Só assim conquistará as suas PRÓPRIAS OPINIÕES, que serão
mais fortes em você do que qualquer restrição. RETORNE À HISTÓRIA, desvende o
“CÁLICE”, o cale-se de Chico Buarque. Não deixe que tirem isso de você. Porque
facilitar as coisas é tirar isso tudo isso de você.
Retornar à história é entender as circunstâncias que construíram o nosso presente. Isso não é pura teoria. É VIDA.
Se você é menina ou mulher, leia a biografia de grandes mulheres (grandes justamente por seus defeitos e virtudes), só para ter uma ideia do quanto você é capaz. Anne. Olga. Tarsila. Pagu. Marilyn. Madonna. Kate Middleton. As muçulmanas. Eu. VOCÊ.
Você já leu "O Diário de Anne Frank"?
Imagem diário:
Copyright Anne Frank House
Photographer Cris Toala Olivares
2010
Retornar à história é entender as circunstâncias que construíram o nosso presente. Isso não é pura teoria. É VIDA.
Se você é menina ou mulher, leia a biografia de grandes mulheres (grandes justamente por seus defeitos e virtudes), só para ter uma ideia do quanto você é capaz. Anne. Olga. Tarsila. Pagu. Marilyn. Madonna. Kate Middleton. As muçulmanas. Eu. VOCÊ.
Você já leu "O Diário de Anne Frank"?
Imagem diário:
Copyright Anne Frank House
Photographer Cris Toala Olivares
2010
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