Em sala de aula

Alunos de Relações Internacionais debatem o Preconceito Linguístico


Alunos da disciplina Análise do Discurso, ministrada por mim na Universidade Sagrado Coração, debateram em sala de aula o tema preconceito linguístico. A disciplina faz parte do currículo dos cursos de Comunicação Social e é optativa para os alunos de Relações Internacionais, que a procuraram com o incentivo do coordenador do curso, Professor Daniel Freire e Almeida, devido à importância das questões de linguagem para a profissão do internacionalista.

Linguagem - um tema amplo

Os estudantes se prepararam para um seminário em que discutiram as ideias propostas por Marcos Bagno, autor dos livros Preconceito Linguístico, A Língua de Eulália, A norma oculta, entre outros. A discussão, realizada a partir de argumentação, análises de textos e até teatro, modificou o conceito de linguagem dos alunos, que passam a perceber que a língua vai muito além das regras de norma padrão. A proposta foi discutir o tema como uma questão discursiva e social.

Com as teorias estudadas, fica claro que o preconceito linguístico está ligado a preconceitos sociais, geográficos e políticos. O intuito não é desfavorecer o ensino de norma padrão, mas entender que mesmo os supostos erros têm explicações históricas. Por exemplo, um falante que troca L por R (exemplo: “crasse” por “classe”) estaria reproduzindo naturalmente um fenômeno histórico da língua. Num passado remoto, a palavra “escravo”, por exemplo, derivou do latim “sclavu”, já que houve uma tendência de transformação do L em R em línguas latinas. Esse fenômeno só não continua acontecendo porque a influência atual da escrita o segura.

Peculiaridades

Entre outros fatos de linguagem, os alunos também discutiram a questão de que a modalidade escrita é diferente da oral, por isso é um mito pensar que “se fala de um jeito porque se escreve do mesmo jeito”. O aluno Lucas exemplificou com a palavra “jail”, do inglês: “se houvesse uma associação entre o jeito de falar e escrever, leríamos a palavra com a fonética da nossa língua, e não estaria de acordo com a fonética da língua inglesa”.

Complemento com o exemplo do francês: os franceses não pronunciam os “s” finais da maioria das palavras, e isso foi incorporado pela norma padrão francesa, enquanto os falantes do português sofrem preconceito por não pronunciar os ‘s’ finais das palavras, ainda que isso aconteça na conversação informal mesmo de falantes escolarizados e de classes sociais privilegiadas.

Questão social

Uma questão enfatizada pelos alunos foi o fato de que é preciso ler a respeito dos estudos científicos sobre linguagem para compreendê-los. A aluna Mariane comentou que, ao ler o título do capítulo que dizia ser um mito que “é preciso saber gramática para falar e escrever bem”, tendeu a discordar do autor. No entanto, ao ler o livro todo, compreendeu a proposta do autor. Marcos Bagno não afirma em momento algum de sua obra que a escola não deve ensinar a gramática normativa, mas que esse ensino precisa assumir uma dinâmica diferente para produzir um verdadeiro efeito.

Minha experiência como corretora de redação dos vestibulares Unicamp e do Enem comprova esse fato. Durante cerca de 11 anos, a escola foca o ensino de língua portuguesa na nomenclatura de regras gramaticais. Essa atitude não forma um bom escritor, um bom usuário da língua, o que é refletido, entre outros aspectos, na má qualidade de muitas redações em vestibulares e nas deficiências de escrita de muitos alunos que chegam à universidade.

Por uma educação consistente

Qual a solução? Abandonar o ensino de norma padrão? Não, mas reformulá-lo. O primeiro passo para isso é compreender as questões de linguagem como questões sociais, compreender que não são as nomenclaturas que constroem uma língua, mas sim a própria sociedade.

A discussão a respeito do tema é um passo importante, mas é evidente que muitos outros fatores estão envolvidos, como a exclusão social e a necessidade de valorização da educação no país. Os professores de ensino fundamental e médio precisam ter condições adequadas para o ensino e isso só acontecerá com a real valorização da educação pela sociedade.

Uma sociedade crítica tem parâmetros, inclusive, para questionar a própria mídia. Por exemplo, no ano passado, um livro foi massacrado porque supostamente “defendia o ensino do português errado” (leia aqui). O que aconteceu? O livro, em uma página, expunha a existência do preconceito linguístico, o que não é novidade para os estudos científicos de linguagem, e em todas as suas outras páginas, propunha exercícios de norma padrão. Então, como dizer que esse livro estava propondo o ensino do “português errado”? Porém a mídia “vendeu” essa ideia e muitos cidadãos a repetiram, sem questioná-la. Exatamente o que a aluna Mariane enfatizou sobre a importância de aprofundar-se na leitura, e não fazer um julgamento apenas pelo título de um livro ou capítulo.






Mais do que regras gramaticais

Na disciplina de Análise do Discurso, os alunos estudam a linguagem como algo complexo, envolvido por discursos implícitos, ideologias e repertórios distintos, conforme as culturas dos falantes.

Numa negociação entre um país capitalista e um socialista, por exemplo, a grande divergência não será a possível diferença de idioma, mas o fato de que cada um deles compartilha de uma ideologia, uma crença diferente. Asseguro: muitas vezes, será difícil chegar a um acordo não por causa da diferença da língua, mas do discurso, ou seja, da ideologia compartilhada por cada um dos países. São discussões, portanto, relevantes para o universo das relações internacionais, assim como da comunicação e da sociedade em geral.

Érika de Moraes
Jornalista e professora Dra. em Linguística

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